sábado, 24 de novembro de 2012

Inocência perdida

A pequena Setsuko e o adolescente Seita são os protagonistas do filme mais comovente que alguma vez vi. A história é simples e passa-se em plena segunda-guerra mundial, durante os constantes bombardeamentos às aldeias japonesas. Estas duas crianças tinham perdido a mãe nessa guerra (após um bombardeamento) e o pai estava fora, uma vez que servia a Marinha Imperial. São então obrigados a procurar refúgio em casa de uma tia, mas a experiência não corre bem e têm que seguir sozinhos. Encontram então um pequeno refúgio e decidem fazer desse lugar (que parece uma pequena gruta), a sua nova casa. Infelizmente, a comida começa rapidamente a escassear, e a sobrevivência dos irmãos é então ameaçada.

Logo no início do filme, ficamos a saber que não conseguiram sobreviver. O que se segue, é história dessa tentativa falhada.

Nenhum filme me inundou tanto a alma de tristeza como este. Senti-me a sufocar à medida que o filme avançava e não consegui evitar chorar. Fui invadido por uma dor quase insuportável e não adormeci facilmente. Acordei no dia seguinte com uma definitiva sensação de vazio existencial. Como se tivesse uma enorme cicatriz interior. Penso que é essa dor que fará justiça ao sofrimento do povo japonês e, acima de tudo, ao dos dois irmãos. A fragilidade daquelas vidas é tão grande como inspirador é o amor que têm um pelo outro. Acreditam que a vida tem de continuar e lutam por isso.

A guerra tolda as consciências, tornando as sociedades insensíveis e egoístas e tornando impossível a sobrevivência de vidas frágeis como as de Setsuko e Seita.

É justamente pelo facto de termos o desfecho revelado logo ao início, que podemos meditar acerca das consequências da guerra (daquela guerra), já que é desde aí que se inicia o nosso processo de negação do que sabemos que vai acontecer, envolvendo-nos com as personagens. Nessa meditação, vemos que o seu fim era inevitável, perante a indiferença do médico que trata Setsuko, perante o desprezo da tia para com eles, perante a raiva do agricultor que apanha Seita a roubar para comer…

Existe esperança, mas esta não se confirma.

Os cenários são deslumbrantes, o amor fraterno daqueles dois irmãos é maravilhoso e realista. As personagens têm um carisma próprio e têm uma realidade nunca conhecida por trás delas mas que se reflecte numa personalidade distinta que faz de todos aqueles que são secundários, personagens cheios e ricos.

O filme termina com um dilacerante “flashback” em que Amelita Galli-Cruci canta “Home sweet home”, ficando assim finalmente aberta a ferida que o realizador Isao Takahata nos quis propositadamente deixar.

O filme chama-se “Hotaru no haka” (em português: “O Túmulo dos Pirilampos”) e, se não o viram, é urgente que o vejam. É um drama poderosíssimo e uma incrível obra-prima feita em 1988. Fala sobre a guerra, a fome e a perda da inocência.

Preparem-se.