quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A saída

De cada vez que deixo a minha aldeia rumo a Lisboa, aumenta a falta que aquele chão me faz. Em nenhum outro sitio me sinto tão em paz como ali. Há pessoas que me conhecem desde que nasci, que me tratam com enorme respeito, quando são essas pessoas, alvo da minha maior admiração.

Saí da minha aldeia há 17 anos. Saí porque tinha definido um rumo para a minha vida e queria concretizá-lo. Há pessoas que decidiram ficar ali para sempre. Pensei que era por serem menos ambiciosos do que eu.

Descubro a cada visita, que era na minha aldeia que eu devia ter sempre ficado. É lá que me descubro e que me descobrem. É ali que encontro quem me abraça e sorri tão genuinamente ao ver-me.

Há pessoas que, por velhice, foram obrigadas a sair de suas casas para serem internadas em lares de idosos. Ao ouvi-los, descubro-lhes a mágoa desse abandono forçado e penso no meu, voluntário e ambicioso.

Quantos mais dias passam, mais perto estou de regressar à minha aldeia e ao convívio diário com quem me quer tão bem, sem outro interesse que não o meu bem-estar.

Se mais razão não houvesse, bastar-me-iam as lágrimas emocionadas de pessoas que me pegaram tantas vezes ao colo e que hoje, quase sem forças para se levantarem e caminharem, ainda me abraçam, firmes, com pena de mais uma despedida.

Eu vou voltar.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Pelo colectivo

Um destes dias fui assistir a uma noite de fados numa colectividade de uma pequena aldeia do concelho de Tomar.

Era tudo amador (até pelo facto de todos amarem o que fazem). Os músicos e os fadistas eram de lugares próximos e ensaiavam em segundos, no palco antes de cada actuação. Cada um deu o que tinha: Uns, a voz, outros os dedilhados nas cordas das violas e da guitarra.

Na cozinha, as mulheres atarefadas à volta da panela, preparam o caldo verde que vai ser servido no primeiro intervalo. A couve portuguesa, as batatas, o azeite e o chouriço foram também oferecidos. Alguém trouxe uns garrafões de agua-pé e bebe-se devagar, enquanto se chora a dor e a saudade no palco.

Com pequenos gestos de cada um, a um preço simbólico, mais de cinquenta pessoas ouvem fado e aquecem o corpo e a alma numa noite gelada, algures no "país real".

É em pequenas colectividades como aquela, que se decide e consegue a alegria de uma comunidade em partilha. Cada um trabalha gratuitamente ou oferece o que tem, pelo bem comum e pela cultura da gente da terra.

Por algumas horas, todos felizes.

É hora de recordar. Fernando Maurício é o primeiro.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Salvação, mas pouco

Eu e os meus irmãos temos a veleidade de salvar o país de duas em duas semanas, quando nos encontramos em casa dos meus pais. Discutimos sempre com muita intensidade na defesa do modelo que, acreditamos, irá tornar Portugal na maior potência europeia, rivalizando até com o Japão e com os EUA.

Raramente concordamos nos argumentos, falamos alto, por cima uns dos outros, muitas vezes sem sequer dar tempo de resposta ou pensarmos bem antes de dizermos os disparates que tantas vezes dizemos quando as posições se extremam.

Enquanto o meu pai esteve connosco, ocupando sempre o topo da mesa, tínhamos o cuidado de moderar as conversas, até no sentido de que ele tomasse partido por um de nós, encerrando a conversa.

Agora, é praticamente impossível à minha mãe conseguir algum consenso nesta "família à italiana" com três filhos adeptos (fanáticos) de três clubes diferentes, com três defensores de soluções politicas diferentes e até com olhares díspares sobre religião. No entanto, quando as coisas estão prestes a azedar, há sempre uma das maravilhosas sobremesas que ela nos prepara. Enterram-se os machados de guerra e aguarda-se por nova batalha dali a duas semanas.

De barriga cheia, entretemo-nos então a falar da nossa vida e das nossas coisas. Cada um de nós deseja um mundo melhor para os outros dois e é por isso que discutimos sempre sobre o estado das coisas.

Antes de salvar o mundo todo, queremos salvar o mundo dos outros dois. É por isso que vejo os meus irmãos como super-heróis. 

Adoramos discutir e isso é o sal da vida.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Para o Porto

Acordou cerca da hora de almoço, já com pouco tempo para tudo. Na véspera houve uma pequena festa de despedida. Reparou que tinha um embrulho em cima de uma das quatro malas prontas a fechar. Era "O Papalagui", com uma dedicatória.

Levantou-se ainda ensonado, e foi para o banho. Seguiu-se o habitual almoço de Domingo, em família, desta vez quase silencioso. Aquela partida era pouco desejada pelos pais, mas inevitável. Havia a certeza de um mundo melhor à espera. A ilusão do sucesso estava mesmo ali. Explicar isso a quem nos quer por perto não seria fácil para ninguém.

Ao início da tarde, começaram as despedidas. Era só um "até já" porque "o Porto é já ali e eu venho muitas vezes". Repetiu isso vezes sem conta por entre os vizinhos que ia encontrando, como que precisando dessa repetição para acreditar no que estava a dizer.

O abraço demorado da mãe foi o último antes de entrar no comboio. Nunca saberei o que custa a um pai ou a uma mãe, o momento da despedida. Aquele momento em que se sabe que a cria, ainda tão imatura, já insiste em caminhar apenas pelo seu próprio pé e já se sente dono de todas as certezas do mundo, deixando para trás a casa de sempre. O lar.

O olhar da mãe, que atravessava os vidros da janela da carruagem, era chuvoso como aquela tarde fria de Dezembro. Por um segundo, teve vontade de voltar e desistir de tudo. Mas sorriu e acenou uma vez mais.

Lentamente o comboio parte com destino ao Porto. O caminho era para preparar definitivamente o coração para o realizar do maior sonho: viver no Porto. Tinha chegado o primeiro dia.

A aventura começava e, apesar da tristeza que tinha deixado lá atrás, não havia maior sorriso do que aquele que o seu rosto transportava. Estava feliz por ter conseguido.


Passam hoje 17 anos que deixei aos bocados o coração dos meus pais. Há 17 anos, cheguei ao Porto carregado de sonhos e de esperanças. Aquela cidade tornou-se, em pouco tempo, a minha segunda casa. Aquela gente hospitaleira e genuína, passou a ser parte da minha enorme família.

Provavelmente não voltarei a viver no Porto, mas recordarei os anos que lá vivi como o melhor tempo da minha vida. 

sábado, 24 de novembro de 2012

Inocência perdida

A pequena Setsuko e o adolescente Seita são os protagonistas do filme mais comovente que alguma vez vi. A história é simples e passa-se em plena segunda-guerra mundial, durante os constantes bombardeamentos às aldeias japonesas. Estas duas crianças tinham perdido a mãe nessa guerra (após um bombardeamento) e o pai estava fora, uma vez que servia a Marinha Imperial. São então obrigados a procurar refúgio em casa de uma tia, mas a experiência não corre bem e têm que seguir sozinhos. Encontram então um pequeno refúgio e decidem fazer desse lugar (que parece uma pequena gruta), a sua nova casa. Infelizmente, a comida começa rapidamente a escassear, e a sobrevivência dos irmãos é então ameaçada.

Logo no início do filme, ficamos a saber que não conseguiram sobreviver. O que se segue, é história dessa tentativa falhada.

Nenhum filme me inundou tanto a alma de tristeza como este. Senti-me a sufocar à medida que o filme avançava e não consegui evitar chorar. Fui invadido por uma dor quase insuportável e não adormeci facilmente. Acordei no dia seguinte com uma definitiva sensação de vazio existencial. Como se tivesse uma enorme cicatriz interior. Penso que é essa dor que fará justiça ao sofrimento do povo japonês e, acima de tudo, ao dos dois irmãos. A fragilidade daquelas vidas é tão grande como inspirador é o amor que têm um pelo outro. Acreditam que a vida tem de continuar e lutam por isso.

A guerra tolda as consciências, tornando as sociedades insensíveis e egoístas e tornando impossível a sobrevivência de vidas frágeis como as de Setsuko e Seita.

É justamente pelo facto de termos o desfecho revelado logo ao início, que podemos meditar acerca das consequências da guerra (daquela guerra), já que é desde aí que se inicia o nosso processo de negação do que sabemos que vai acontecer, envolvendo-nos com as personagens. Nessa meditação, vemos que o seu fim era inevitável, perante a indiferença do médico que trata Setsuko, perante o desprezo da tia para com eles, perante a raiva do agricultor que apanha Seita a roubar para comer…

Existe esperança, mas esta não se confirma.

Os cenários são deslumbrantes, o amor fraterno daqueles dois irmãos é maravilhoso e realista. As personagens têm um carisma próprio e têm uma realidade nunca conhecida por trás delas mas que se reflecte numa personalidade distinta que faz de todos aqueles que são secundários, personagens cheios e ricos.

O filme termina com um dilacerante “flashback” em que Amelita Galli-Cruci canta “Home sweet home”, ficando assim finalmente aberta a ferida que o realizador Isao Takahata nos quis propositadamente deixar.

O filme chama-se “Hotaru no haka” (em português: “O Túmulo dos Pirilampos”) e, se não o viram, é urgente que o vejam. É um drama poderosíssimo e uma incrível obra-prima feita em 1988. Fala sobre a guerra, a fome e a perda da inocência.

Preparem-se.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Objectivos para 365 dias

Tenho o hábito de fazer balanços e definir objectivos em Outubro de cada ano.

Este ano decidi fazer uma lista de 35 objectivos a concretizar no até ao dia 31 de Outubro de 2013 (para concretizar alguns, preciso da vossa ajuda). A lista ficará visível num link ao lado e farei updates, à medida que for completando as tarefas.

Aqui está a lista do que decidi fazer (caso os Maias falhem a previsão do fim do mundo em 2012):

1. Ler um livro a cada dois meses

2. Comer uma refeição completa, cozinhada com coentros (entrada, sopa e prato)

3. Escrever, em cada semana, pelo menos quatro posts no blog 

4. Fazer feliz alguém que não conheça

5. Fazer feliz alguém que conheça

6. Comprar uma boa máquina fotográfica

7. Organizar um jantar ou um almoço de família (daqueles que incluem primos e tios)

8. Doar sangue e inscrever-me no banco de dadores de medula óssea

9. Assistir a um amanhecer na praia

10. Organizar a minha roupa por conjuntos e fotografar, para ser mais fácil vestir-me sem parecer um desastre

11. Plantar uma árvore

12. Assistir a cinco concertos de música

13. Organizar uma caminhada a pé pela linha do Tua;

14. Fazer Canoagem

15. Organizar a minha música

16. Escrever uma história

17. Redecorar a minha sala

18. Fazer um jantar em casa com amigos (mínimo, quatro pessoas à mesa), pelo menos uma vez por mês

19. Fazer uma arrumação profunda em casa e desfazer-me do que não me faz falta

20. Comprar um frigorífico combinado

21. Fazer uma fornada de pão (em forno a lenha) e oferecer aos meus amigos

22. Perceber quem são os meus amigos em dificuldades e ajudar a abastecer-lhes a dispensa, sem que eles se sintam mal por isso

23. Visitar os meus padrinhos regularmente (pelo menos de dois em dois meses)

24. Fazer três viagens ao estrangeiro

25. Iniciar um curso de escrita

26. Ir duas vezes ao estádio do Dragão ver futebol

27. Passar um fim-de-semana só com os meus sobrinhos

28. Fazer campismo

29. Confeccionar doces e compotas para oferecer

30. Fazer (pelo menos) cinco provas de atletismo

31. Participar em acções de voluntariado

32. Participar num concurso (televisão, rádio, escrita, etc)

33. Pintar o meu quarto

34. Ter (pelo menos) um dia de "mimo" para mim, com massagem, piscina, etc

35. Beijar debaixo da Torre Eiffel


Se conseguir, serei muito mais feliz.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Mais um que parte...


Uns resistem o que podem, outros não têm alternativa. Para vários amigos, a saída do país tornou-se uma inevitabilidade. Procurar noutro país, uma vida melhor do que a que tinham cá é a razão que todos apontam. A inevitabilidade desta saída é resultado de meses consecutivos de desemprego e de falta de esperança num futuro melhor cá.

O Gonçalo Silva é um bom amigo. Na quinta-feira vai iniciar uma nova caminhada, longe dos amigos e da família e isso merece a minha admiração, porque sei que não seria fácil para mim fazê-lo. Não é fácil para ninguém.

Com ele, passei alguns dos momentos mais animados da minha vida. É um excelente contador de histórias e tem um sentido de humor único. Carrega sempre um enorme sorriso e tem sempre uma gargalhada pronta a dar.

No momento difícil que passou recentemente, teve sempre uma palavra de carinho e preocupação comigo e com a minha vida.

É assim o Gonçalo: bem disposto e generoso.

Na sexta-feira passada jantámos uma vez mais juntos, mas só nos preocupámos em falar muito. Para nós, a conversa é o combustível das noites bem passadas. Rimos bastante e quase disputámos o troféu da história mais picante e bem-disposta, mas as dele são sempre melhores que as minhas (até porque ele é o melhor de nós dois).

Quando fez trinta anos, tive a honra de ajudar a preparar a festa surpresa que lhe fizemos e que o deixou felicíssimo. Agora, tento reunir os companheiros de treinos, jogos, ensaios, "avants", "rucks" e "mauls" para que lhe possamos dar um enorme abraço.

Longe, estaremos a torcer pelo sucesso dele e pela melhoria das condições que o façam regressar.

Post Scriptum: Quando me preparava para terminar este texto fiquei com os olhos rasos de água e de saudade, que teimosamente se antecipa ao abraço que daremos antes de partir. Prometo, Gonçalo, que será a única vez que o farei por ti. Quero que as gargalhadas que deste connosco, ocupem o vazio que a tua ausência vai deixar em nós todos.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Já não há raspas de madeira pelo chão

A minha vida foi sempre fortemente marcada por cheiros de coisas. Lembro-me de alguns: o cheiro das uvas morangueiras da casa do “Manel Zé” e que chegavam até à entrada do café, o cheiro do fumo dos cigarros “Português suave sem filtro” que o Abílio me mandava comprar (e ficar com o troco) no “Borracha”, o cheiro do "Lagar de Azeite do Carvalhal" no tempo da azeitona, o cheiro a pó nos primeiros dias de chuva, no Outono…

Um dos cheiros cuja memória frequentemente me assalta, foi o da pequena oficina do senhor Albino Simões, que trabalhava madeira. Quando a minha mãe ia a casa da Menina Rosa (na minha aldeia, todas as senhoras são ainda “meninas”) e me levava, havia coisas que eram para mim momentos de puro deleite: sentava-me no pequeno muro, junto à torneira em frente à oficina e bebia água numa pequena malga de inox, ainda que não tivesse sede. A menina Rosa dava-me sempre uns bolos pequenos e secos, que eu ainda hoje devoro quando a minha mãe os compra. Enquanto elas conversavam, eu ficava ali sentado, a olhar para a oficina e a beber água, como se estivesse no deserto marroquino. Quase que consigo sentir ainda hoje o sabor daquela pequena tigelinha, que estava presa à torneira com uma corrente frágil. Ficava também a ver o Senhor Albino Simões a trabalhar a madeira.


Muitas vezes, porque tinham uma horta perto da minha casa, o senhor Albino Simões e a menina Rosa, passavam e paravam em minha casa. Eram ambos muito amigos dos meus pais. Eram (e ainda são) como se fossem da família. O senhor Albino parava a bicicleta em frente à minha casa e entrava, para ir beber um copo de água pé com o meu pai e ali ficavam os dois à conversa. A caça era dos assuntos mais debatidos.

Quando ele entrava, falava sempre connosco com aquela voz forte e grave que só ele tinha e que fazia com que ficássemos presos a tudo o que nos dizia. Era um homem grande em todos os sentidos, ou eu, por ser mais pequeno, sempre senti que ele era um homem imenso. Tinha um coração generoso, que se revelava sempre demasiado mole para com a Mónica, que era a neta mais velha e (tenho a certeza), a preferida.

Quando a doença o desafiou para a luta, resistiu enquanto conseguiu. Fui vê-lo várias vezes a casa e a Coimbra e embora aquele corpo se tenha modificado e mutilado, ofereceu sempre a amabilidade que colocava em tudo o que fazia e falou-me sempre com aquela voz carregada de força, mesmo quando as forças já eram poucas.

Hoje, quando vejo a Mónica, descubro nela muito daquilo que o avô lhe deixou: um coração enorme, que se amolece com demasiada facilidade perante as pessoas de quem realmente gosta.

Ainda hoje a minha mãe costuma ficar à conversa com a menina Rosa. Ainda hoje existe a malga fragilmente presa à torneira. Já não existe o cheiro da oficina nem o som da plaina a desgastar a madeira nem raspas pelo chão. Há, em casa da minha mãe, umas prateleiras que o senhor Albino nos fez. Há a lembrança daquele homem grande, que foi sempre íntegro e digno e de quem hoje me lembrei com saudade.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Em Copenhaga, choveu no último dos dias

A única vez que fui ao Brasil foi há nove anos, na minha viagem de finalistas. Surpreendentemente, aqueles dias foram tão intensos, que regressei completamente vazio. Cheguei a casa, refiz a mochila para o frio que o norte da Europa ainda tinha em Abril, escolhi 2 ou 3 livros policiais e lá fui, de novo. 

Embarquei ao final do dia no Entroncamento, rumo a Paris. No mesmo compartimento que eu ia uma senhora de preto, da cabeça aos pés e a quem não ouvi uma palavra, até à sua saída em S. Sebastian. “Boa viagem”, disse-me.

Em Paris, procurei ficar alojado uma noite perto de Montmartre, para poder caminhar por ali a pé e ficar sentado horas perdidas na escadaria do Sacre Coeur a ver a cidade iluminar-se a meus pés. A segunda parte da viagem fez-se no dia seguinte. Na Gare du Nord, apanhei o comboio que atravessava a Alemanha durante a noite. É sozinho que gosto de viajar porque imagino sempre que um dia teria alguém que aguardasse a minha chegada em algum lugar. Quando viajamos com outras pessoas, não há essa sensação de frágil segurança…

Ainda a tempo do pequeno-almoço, chego a Copenhaga. Procuro um sítio para a minha primeira refeição do dia e alojamento. Encontrei um pequeno hostel perto do Tivoli e por ali fiquei, desenhando um plano para a cidade.

Para mim, visitar uma cidade significa passar horas seguidas num café de uma praça ou rua, a ver demoradamente as pedras das casas e do chão. A escutar os borburinhos naturais da cidade e a prestar atenção ao silêncio do tempo a passar, demorado.

Tirei as habituais fotografias para mostrar aos outros, já que raramente fotografo para mim. Saboreei cada um dos dias ali passados, deliciando-me com a delicada neblina matinal que pairava na zona do porto da cidade. As tardes, a espaços soalheiras, eram sedutores convites a ficar mais tempo na rua, observando.

No último dos cinco dias ali, choveu. As ruas estavam limpas e vazias como o meu coração.

Peguei em tudo e regressei.

Eu regresso sempre.

Regresso ao trabalho

Depois de uns dias de férias, é, para mim, sempre muito difícil o regresso ao trabalho. O corpo habituou-se rapidamente a rotinas de total liberdade e desabituá-lo não é tarefa fácil.

O primeiro dia depois do regresso das férias, rende sempre pouco. Há assuntos que se acumularam, esperando o regresso de quem os trate.

Estes dias de regresso têm sido suavemente dolorosos, como quem força um pequeno riacho a sair do seu curso natural.

Tenho tentado colocar tudo em ordem e hoje voltei ao desporto. Um excelente treino de rugby ao final do dia e depois, uma pequena corrida, com excelente banda sonora, junto ao rio antes de jantar e dormir.

Nestes dias, recordo sucessivamente com os amigos e com os colegas de trabalho, os dias de férias. É como se vivesse de novo a papel químico as mesmas coisas, mas muito resumidamente. 

Falar sobre as férias ajuda-me a regressar à rotina, como se a vida de férias e a vida a que retomamos se diluam uma na outra, em que a rotina do dia-a-dia vai ganhando espaço até se impor, lentamente a tudo o resto, deixando apenas nos cantos da memória, os acontecimentos daqueles dias em que, para mim, a liberdade é absoluta e as horas são uma medida de referência quase sempre ignorada.

Eu gosto de regressar. É bom estar de volta. Tive saudades...

sábado, 15 de setembro de 2012

A vindima

O  meu primeiro trabalho remunerado foi nas vindimas. Estava prestes a fazer 9 anos e seguia a minha mãe e os meus irmãos, que iam também trabalhar na vinha do “Doutor”. O dinheiro que ganhávamos era para pagar os livros e o material de apoio para a escola. O que a minha mãe ganhava, era para compensar o facto de o nosso dinheiro não chegar para comprar tudo. Mesmo assim, nunca gostei das vindimas, porque isso significava estar oito horas a trabalhar, durante duas semanas, antes do início das aulas e eu não podia brincar.

Foi assim que nos habituámos a estimar as coisas, até porque tudo o que tínhamos servia de uns para os outros. Os meus irmãos foram ainda mais longe que eu: como queriam usar coisas de marca, iam alcatroar estradas ao sábado. Quando os vi chegar a casa no primeiro dia, perdi logo a vontade de os imitar e andar com calças Levis ou t-shirts Adidas.

Quando se tem 9 anos, brinca-se. Não se trabalha. Quando se tem 9 anos, molda-se facilmente a personagem das pessoas. Foi também assim que o meu pai e a minha mãe, pelo trabalho, nos ensinaram a ganhar mais responsabilidade e a estimar as coisas que resultaram do nosso esforço. Eu penso que não me fez mal nenhum e hoje estou grato pelo facto de me terem ensinado cedo a importância e o valor do trabalho.

Há dias, em conversa com amigos, diziam-me que se fosse hoje, os meus pais seriam presos. É possível. Na época do politicamente correcto e da ditadura das crianças, não se lhes pode fazer nem dizer nada. Hoje penso que os meus pais me educaram com dignidade e o melhor que sabiam. Só quem nos conhece, pode dizer se fizeram bem. Nós tentamos honrá-los.

Não defendo que haja que dar trabalho às crianças. Nada disso. Defendo sim que uma educação pelo exemplo não é a melhor forma de educar. É a única. Foi o que os meus pais fizeram e eu estou-lhes muito grato por isso.

Eu e os meus irmãos fizemos muitas coisas e trabalhámos em muitos sítios.

Há uns anos, o meu pai decidiu ter uma vinha. Viveu ainda o suficiente para comer uvas da vinha que hoje me pertence.

Hoje fez-se a vindima, juntou-se a família e os amigos e celebrou-se o meu pai. Estou feliz.

É muito grande a riqueza do trabalho.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

João


O João é o sobrinho de um colega de trabalho.

Loiro, com uns olhos impossivelmente azuis e um sorriso desarmante, não deixa ninguém indiferente. Conhecemo-nos no início da semana passada, já que ele estava a passar uns dias de férias na arrábida, com os pais. Acabámos por almoçar quase todos os dias juntos.

Ao início, porque é tímido, não falava muito porque não me conhecia e não tinha “à vontade” para o fazer. Com o passar dos dias, foi-se soltando e acabou por interagir muito.

Ontem, porque não consegui ir almoçar com ele, soube que perguntou por mim e fiquei contente com isso. Hoje foi o último dia de férias e voltámos a almoçar juntos. Depois de um início um pouco acanhado, lá se soltou e falou imenso. Depois da sobremesa, pediu-me se podia pagar a minha parte. Acedi. 

No momento da despedida, estendeu-me a mão porque, segundo ele, “os homens dão apertos de mão”. Quando soltámos as mãos, disse-me: “vou ter saudades tuas”. Fiquei sem palavras.

O João tem três anos e deixou-me de olhos rasos de água.

As crianças têm a expressividade genuína de um prazer consciente e partilhado, por isso é que são o melhor do mundo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A boa disposição

Ao longo da minha vida, encontrei centenas de pessoas cuja principal característica era a boa-disposição.

À medida que fui conhecendo algumas dessas pessoas, percebi que são essas as que estão sempre disponíveis para os outros, sempre dispostas a contar uma piada, a dar uma gargalhada ou a deixar toda gente bem-disposta. Percebi também que são, por natureza, pessoas sós.

O melhor que temos a fazer é estar perto dessas pessoas, por dois motivos: primeiro, porque estaremos sempre bem. Depois, porque essas pessoas nunca irão dizer que precisam de nós.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Primeiro dia na escola

Fui criado numa aldeia pequena, em absoluta liberdade. Acordava, pegava nas minhas coisas e ia para a rua. Havia pouca gente com carro e por isso, era possível passar o dia inteiro deitado na estrada a fazer desenhos com bocados de tijolo ou a jogar à bola, sem que passasse qualquer viatura. Quando muito, uma motorizada, que se desviava de nós. Só via a minha mãe para almoçar, lanchar e jantar. Fora isso, era para andar na rua ou pendurado nas árvores na brincadeira.

Por vezes ia com a minha mãe para o campo. Pequeno, não ajudava em nada, mas entretinha-me com qualquer coisa. Tenho uma vaga ideia de ter acompanhado a minha mãe na época da azeitona, e ter ficado uma tarde inteira a brincar com os desperdícios vermelhos que servem de “casca” do queijo flamengo e paus pequenos de oliveira. Quando somos pequenos, não precisamos de muita coisa para sermos felizes…

Um dia, tive que ir para a escola.

Lembro-me que a minha mãe me foi deixar lá e que disse à professora que, caso eu me portasse mal, me podia dar umas bofetadas (parece que estava a adivinhar). Os outros miúdos entraram e eu fiquei com a minha mãe, à porta. Até que ela me disse para eu entrar e eu perguntei, espantado “mas também é para eu ir?”. Como era para ir, lá fui…

Na minha aldeia, porque éramos 33 alunos no total, ficámos todos na mesma sala. Na primeira classe, éramos apenas quatro: eu, o Luís, a Natália e o Zé. Mais tarde, veio (transferido de outra escola), o João Pedro.

Aquele dia não foi muito diferente do que se passará hoje por este país fora, no primeiro dia de aulas. Tenho apenas uma recordação mais “forte”: eu, o Zé e o Luís, decidimos saltar de “carteira” em “carteira”, fazendo rimas com os nomes dos outros miúdos (Bela panela, João ratão, etc). Uma vez desrespeitados os avisos para parar, fomos agarrados pela D. Mariazinha, que nos encostou à parede e nos deu 20 réguadas em cada mão.

Não sei se isso me fez mal, se me tornou mais amargo ou se me trouxe problemas psicológicos. Sei é que no primeiro dia de escola aprendi a contar até 20… e que se tornou urgente aprender a ler e a escrever para melhorar o nível das rimas que eu quisesse fazer dali em diante.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O mundo no sofá

Não sei exactamente há quanto tempo descobri o “CouchSurfing”, mas quando me explicaram exactamente do que se tratava, pensei que oferecer alojamento gratuito a quem está a viajar era uma ideia absolutamente vencedora (e era mesmo).

Esta é a forma que muitos viajantes têm de conhecer o mundo, sem que para isso tenham que gastar dinheiro em alojamento, o que não significa que só pessoas sem dinheiro é que recorram a este tipo de alojamento. Pessoalmente, pretendo apenas conhecer as cidades de outra perspectiva: do ponto de vista de quem a habita. Há ainda a possibilidade de conhecermos pessoas, de termos companhia para uma bebida ou para passar todo o dia connosco. Normalmente, as pessoas que nos recebem ou acompanham, dão sempre excelentes dicas.

Já recebi algumas pessoas e já fiquei em casa de várias pessoas. Não tive, até hoje, qualquer experiência que não tivesse corrido bem. Quando viajo e peço alojamento a outros “CouchSurfers”, acabo sempre por tentar compensar quem me vai receber, com alguma coisa tipicamente portuguesa (normalmente vinho ou doces), uma vez que não sou grande fã das coisas “completamente grátis”. Tem-me acontecido mais ou menos a mesma coisa (uma vez um escocês ofereceu-me whisky sem saber que eu não gostava. Ainda assim, lá se abriu a garrafa e celebrou-se).

Tento, quando recebo alguém, fazer um pequeno programa com os principais locais de interesse (fora dos roteiros turísticos), para dar uma perspectiva diferente sobre Lisboa. Como não tenho dias de férias para acompanhar toda gente, as noites são nossas. Há muita coisa para fazer nesta cidade e normalmente só fazemos quando temos visitas. Só por isso, já vale a pena.

A experiência de “CouchSurfing” dá-nos uma maior abertura de espírito. É maravilhosa a confiança que se estabelece entre estranhos.

O início de algumas viagens (mesmo na nossa própria casa) pode ser aqui: www.couchsurfing.org

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Solidão a dois

A solidão é um estigma pesado com o qual nem todos estamos preparados para lidar. Algumas pessoas acabam por se envolver afectivamente, apenas para não estarem sós. Muitas vezes, o que acontece é ainda mais dramático e as pessoas acabam por enfrentar uma situação de solidão pior: sentirmo-nos sós, estando acompanhados.

Estar acompanhado não significa que não se está completamente só. Estar sozinho não significa que se está só. Viver na solidão não quer dizer que não se tem companhia para se estar. Significa que as pessoas que nos rodeiam (muitas vezes dentro do casal) não compreendem as nossas palavras ou as nossas acções. Sentirmo-nos sós numa relação, significa que percebemos claramente que o outro nunca nos completará.

É muito difícil explicar a quem nos rodeia, que estamos na mais profunda solidão, ainda que sejamos alvo do respeito e admiração de muita gente. A solidão a dois é o sentimento de abandono na presença de outra pessoa. E é isso que deve ser combatido.

Um destes dias, uma amiga minha falava-me da indiferença do marido, face aos problemas no trabalho que ela tem tido e partilhado com ele, obtendo como respostas, apenas monossílabos e o corte das conversas a meio com assuntos insignificantes. A solidão começa muitas vezes no silêncio. As pessoas esquecem-se que as relações afectivas não são meras trocas nem jogos de interesse: eu dou afecto e recebo afecto. Há que haver equilíbrio nos sentimentos e nos comportamentos.

Quem nunca viu, num restaurante, um casal que não fala durante toda a refeição? Quem não conhece casos de casais que passam a vida a arranjar estratégias, na tentativa de adiar o mais possível o encontro em casa, a dois? Há até quem tenha filhos para não estar só…

Nas relações, é muito importante a conversa franca, sem medo de dizer coisas desagradáveis, mas sentidas. O diálogo aberto e honesto acaba por (ajudar a) resolver a maioria dos problemas de um casal.

O que interessa, afinal de contas, é acreditarmos que vale a pena fazer alguma coisa e darmo-nos ao trabalho de avançar.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O ídolo foi embora


Chegaram a Gaia, hospedaram-se no The Yeatman, pediram uma reunião à Administração da SAD do FC Porto e acabaram a entregar um cheque no valor de quarenta milhões de euros. Foi assim que os russos do Zenit levaram o Hulk. E eu fiquei triste. Ele foi ganhar uma fortuna, o FC Porto recebeu 40 milhões de euros e teremos agora que idolatrar cegamente outro jogador. 

Somos um país pequeno, periférico, temos um campeonato desinteressante e é fácil vir aqui um qualquer clube endinheirado e levar quem quiser. Os jogadores de futebol não têm “amor à camisola”. O Hulk foi mais um desses… é melhor do que a grande maioria dos jogadores, mas no essencial, é igual a eles: mercenário.

Podem sempre dizer que o Hulk foi ganhar um salário excepcional e que no final do contrato, terá assegurado o futuro da família até à quinta geração, no entanto, como o campeonato russo não é seguido no Brasil (e muito pouco na Europa), rapidamente deixará de ser convocado para a Canarinha. Penso que daqui a dois ou três anos, haverá apenas uma breve memória de um jogador que um dia foi “incrível”. Se ele ficasse mais uns anos no Porto, arriscava-se a ser um pouco menos milionário, mas mais titulado e admirado.

O FC Porto perde qualidade e poder de explosão, os adeptos portistas perdem um ídolo e o campeonato português perde um jogador fantástico. Deixaremos de poder assistir às jogadas e aos golos extraordinários de um jogador de excepção. É por causa de jogadores como o Hulk que vale a pena pagar bilhete e estar 90 minutos a ver futebol. Tantos foram os jogos em que se dizia que houve “demasiado Hulk”. Serão muitos os jogos em que sentiremos saudades dele, com a tristeza de o ter visto partir para um clube que considero ser inferior ao FC Porto. É apenas mais rico. O Hulk trocou a glória dos títulos pelo conforto dos rublos.

Só lhe consigo perdoar porque tantas vezes fez com que nem sequer houvesse discussão futebolística no meu trabalho. Chegar à segunda-feira a Setúbal depois de ter um fim-de-semana salvo pelo Hulk, valeu muito.

Obrigado por tanto e até sempre, Hulk.


(Sim, estou “ressabiado”)

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Volkswagen Carocha

Nasci numa quinta-feira de Outono. Estava uma manhã soalheira para me receber. O Dr. Vilarinho e a Teresa ajudaram-me a chegar. As primeiras horas terão sido iguais às de toda gente: chorar, dormir, comer e sujar fraldas. Não é isto o que mais importa agora.

Uns dias depois, deixava a Clinica de Santa Iria, em Tomar, a caminho da Delongo. Para a minha mãe, tratava-se do regresso a casa. Para mim, era a viagem de ida. A primeira de todas.

Como os meus pais não tinham carro, foi o Sr. Rogério, que era um amigo da minha família, que nos foi buscar.

Desde sempre me lembro dele e de o ver passar no seu Volkswagen Carocha, aquele que foi o primeiro carro onde andei na vida e talvez a minha primeira paixão automobilística. Era muito semelhante ao da foto que aqui publico.

No dia que tirei a carta de condução, comprei um carro. Por muitos motivos e embora gostasse de ter um carro igual ao que me transportou para casa dos meus pais, não pude satisfazer a minha vontade, comprando um Volkswagen Carocha. Esse é um desejo que se mantém e tenho a ambição de o realizar.

O meu primeiro colo foi o da minha mãe. A minha primeira viagem, até à minha aldeia (que é o lugar onde quero regressar sempre), foi num Carocha.

Aquela primeira viagem revela muito do que tem sido a história da minha vida: a generosidade dos amigos e o abraço de quem me quer bem.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A primeira viagem


Lembrei-me hoje da primeira “grande” viagem que fiz. Aquela viagem a sério, muito desejada, para fora do país: Foi há 15 anos e fui sozinho. Paris (10 dias), Bordéus (2 dias) e S. Sebastian (2 dias) foram os destinos. Planeei aqueles dias da seguinte forma: tratei das viagens e da respectiva reserva de lugar para o comboio e o resto logo se veria como ia ser quando chegasse. E foi muito bom decidir o destino da viagem numa conversa com companheiros de compartimento, que nunca mais vi. A estadia foi sendo decidida à medida que os dias iam passando.

Daí em diante, a abordagem às minhas viagens tem sido sempre a mesma: descubro os locais quando chego, embora uma vez por outra tenha lido alguns livros ou visto filmes em cuja acção se desenrola nos locais para onde antecipadamente sei que vou. Raramente há guias de viagem e quando os levo, só os abro para procurar alojamento e apenas quando estou já a caminho do destino escolhido.

Não há nada mais excitante do que viajar ao sabor do vento, estando sujeito às influências das pessoas que vamos encontrando e dos lugares por onde vamos passando.

Viajar sem planos significa igualmente que corremos mais riscos, principalmente o risco de nos perdermos e isso vai representar uma série de possibilidades de encontrar coisas novas e completamente inesperadas.

Penso que se fizermos itinerários detalhados, acabamos por retirar toda a emoção da viagem. É muito provável que nos desapontemos por não termos ido a determinado local que alguém que encontrámos nos indicou ou que descobrimos que valia a pena visitar, só para não alterar os nossos planos. Se definirmos bem onde ir e o que fazer, acabamos por perder no caminho que definimos, os imprevistos que estão subtilmente à nossa procura ou à nossa espera, no caminho ao lado.

As viagens tornam-se verdadeiramente inspiradoras se formos construindo a cada momento, o nosso próprio itinerário.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

De viagem


Abraçavam-se os quatro e choravam. Pedro estava de partida para o país que o tinha acolhido há uns anos. Seria mais um ano de saudade, que os pais e o irmão tentariam atenuar de todas as formas possíveis. 

Até ao fim do dia, esta é uma cena que se repetirá muitas outras vezes, com outros intérpretes, com a mesma intensidade. O aeroporto é o local de partidas para tantos destinos. Alguns, de regresso ao local que passaram a chamar casa, já cheios de saudade dos que ficam e do que fica. Os abraços tardam a desfazer-se. 

Desci as escadas. Muitos abraços. Felizes pelo regresso: "ainda bem que voltaste".

O ambiente nas chegadas, contrasta com a dor da despedida. A alegria e a tristeza, lado a lado, no mesmo espaço. 

Continuo a caminhar e saio dali.

Chegar e partir são os dois lados da mesma viagem.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Amizade à segunda vista

Os meus amigos têm sempre a gentileza de me apresentarem aos amigos deles. Em muitos casos, essas pessoas passaram a ser apenas minhas conhecidas, outras, uns dias depois, desconhecidas e outras de quem fiquei amigo, dada a intensidade da primeira impressão. É assim que as coisas se passam comigo e com toda gente. Não há espaço para "albergar" toda gente na nossa vida nem para sermos "albergados" na vida de outras pessoas e acabamos a seleccionar ou a ser seleccionados...

Hoje fui jantar com uma dessas pessoas, que conheci há pouco mais de um ano e com quem não voltei a falar até há uns meses. O rugby aproximou-nos e firmou uma amizade que tinha ficado em suspenso. Esta amizade enriquecedora, basta-se a si própria. Não há motivos para sermos amigos, mas temo-nos como bons amigos.

Quando regressava a casa pensei nisso e nas diversas formas como os meus amigos apareceram na minha vida. No caso do Nuno, não ficámos amigos. Encontrámo-nos.

sábado, 25 de agosto de 2012

A dor que veio de Nottingham


Costumava ir à Roma Megastore do Porto, junto à Rua de Santa Catarina, para ver a música que se editava e que nem sempre tinha destaque nos jornais. Os funcionários da loja eram excelentes conhecedores de discos (penso talvez até fizessem as encomendas da loja segundo os seus gostos pessoais) e davam sempre óptimas “dicas” sobre os melhores álbuns de cada género. Conheci vários grupos e álbuns por causa deles.

Numa dessas "visitas", encontrei, por acaso, um álbum com rosas na capa. Peguei no CD, observei-o e trouxe-o comigo. Era a época em que eu comprava CDs por causa das capas. Tive sempre muita sorte com o que comprei. Desta vez, era o terceiro álbum dos Tindersticks.

Cheguei a casa e fui ouvir aquele “Curtains”: “Greed's all gone now, there's no question”, sussurrava a voz intimista de barítono do Stuart Staples, que me deixou imediatamente cativo.

A música dos Tindersticks é um estado de tensão constante e sem libertação possível. Até eles, ninguém tinha composto uma banda sonora tão boa para os dias tristes e vazios, para as relações falhadas, para os estados de alma com fracturas expostas, para as misérias e infortúnios humanos. Não é que eles façam música triste. Não é isso. Apenas fazem música com um travo sombrio e um romantismo mais amargo.

A música do “Curtains” é de uma beleza delicada e difícil de descrever. As cordas do violoncelo surgem sempre como lâminas que nos golpeiam a alma, expondo-nos à realidade da incompreensão mútua das relações terminadas e ao vazio a que nos conduz o afastamento entre dois seres que se desencontraram. A orquestração teatral e a voz melodramática de Stuart Staples deslizam em canções hipnóticas, que exploram o que há de mais íntimo em nós.

Os Tindersticks têm um charme inexplicável e fizeram, de forma elegante, “Curtains”, que é um disco intencionalmente superlativo e marcante. Maravilhoso, sem dúvida.

O meu dia termina ao som de Tindersticks. Não há medo de ressacas.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Somewhere

Hoje, ao regressar a casa, fui rever o filme "Somewhere", da Sofia Coppola e senti-me sozinho ao ver tanta solidão. Foram 90 minutos de vazio, que terminam com a aparente libertação do actor principal. A questão que o filme coloca é, no fundo, saber se nos libertamos ou não...

A verdade é que não me surpreendo que o filme acabe e eu tenha ficado com uma angústia que me sabe bem por perceber que é nos momentos de maior isolamento que as pessoas transitam de uma vida superficial e evoluem.


De facto, ter alguém que nos espera em algum lugar é o que de mais extraordinário a vida nos dá.